2  Fundamentos

Author

Felipe Lamarca

Anotações de aula

Alguns conceitos iniciais

Fire alarm: conceito de o Legislativo deixar que o Executivo trabalhe e, no caso de algum tipo de ruído, ele “chia” – isto é, fiscaliza.

Core: um conjunto de soluções possíveis; i.e., os pontos possíveis de serem alcançados a partir das preferências dos legisladores. Se o core é vazio, podemos chamar isso de várias maneiras, inclusive paralisia decisória. Isso vem da teoria dos jogos cooperativos.

O conceito de racionalidade (Gilboa 2012)

A definição de racionalidade é o nosso ponto de partida. De saída, vale saber que a racionalidade é um atributo do indivíduo, mais especificamente das escolhas desses indivíduos. Essas escolhas têm determinadas características e essas características definem a racionalidade individual. Essas características são três:

  1. O indivíduo racional é capaz de distinguir alternativas: diante de cursos de ação alternativos, o indivíduo racional consegue estabelecer conexão de causa e efeito, e essas consequências serão distintas;

\[ \begin{align*} A &\rightarrow A^\prime \\ B &\rightarrow B^\prime \\ C &\rightarrow C^\prime \end{align*} \]

  1. O indivíduo racional é capaz de ordenar as alternativas

\[ \begin{align*} A > B \\ B > C \end{align*} \]

  1. O ordenamento há de ser transitivo: dado (2), \(A > C\), e minha opção preferida é \(A\).

Diante dessas alternativas, o indivíduo racional vai saber o que ele quer. Essa estabilidade é importante. Ele vai preferir aquilo que estiver mais alto no seu ordenamento.

[definição] A decisão coletiva é aquela que, uma vez tomada, vale para todos, independentemente da concordância. O menor grupo possível para tomar uma decisão coletiva (isto é, uma decisão de grupo) é aquele formado por 3 pessoas. De fato, só há decisão em uma dupla se há consenso. Para que uma decisão coletiva seja tomada, precisamos de uma regra. Essa regra estabelece o procedimento através do qual as decisões individuais serão amalgamadas e será definida a decisão coletiva. A regra mais famosa que existe, derivada do utilitarismo, é a regra da maioria.

Em resumo: os nossos indivíduos se comportam racionalmente (behavior). Esses indivíduos interagem entre si de acordo com uma regra para produzir decisões coletivas.

Suponha esses 3 indivíduos e suas ordenações de preferência: \(X\) (\(A > B > C\)), \(Y\) (\(B > C > A\)) e \(Z\) (\(C > A > B\)). Se temos \(A\) contra \(B\), \(A\) ganha; para \(B\) contra \(C\), \(B\) ganha; mas para \(A\) contra \(C\), \(C\) ganha, já que \(A\) é preferida contra \(B\) e \(B\) é preferida contra \(C\) – uma contradição. Não há transitividade, então a racionalidade não pode ser aplicada. Esse é o Paradoxo de Condorcet.

Teorema do Júri: se você assume que cada indivíduo tem uma probabilidade um pouco maior que 50% de tomar a decisão certa, qual é a probabilidade de o júri (coletivo de indivíduos) acerte? (i.e., julgue corretamente entre culpado ou inocente) A ideia do teorema é que, se eu aumento o eleitorado, a probabilidade de tomar a decisão certa aumenta.

A decisão coletiva não pode ser pensada com os mesmos atributos da decisão individual.

Como, então, estabilizamos as decisões coletivas? Uma solução muito boa foi a solução de Duncan Black: o Teorema do Eleitor Mediano. Trabalhamos, aqui, com a noção de espaço político – ou seja, existe um espaço de conflito. Há também uma restrição para o formato das preferências: a noção de “pico único” – a preferência possui um ponto de máximo, e à medida que eu me afasto desse máximo, a utilidade diminui.

Eu defino os agentes em um espaço unidimensional (i.e., uma reta) – o espaço do conflito político, e esses agentes estão distribuídos de acordo com os seus respectivos pontos ideais. O pressuposto importante (que nos permitimos fazer por conta da teoria da racionalidade) é que eu sempre prefiro um ponto mais próximo do meu ponto ideal do que um ponto distante. Se eu aplico essa lógica para todos os eleitores, eu chego à conclusão de que o ponto de equilíbrio é a posição do eleitor mediano. A preferência do eleitor mediano é aquela que ganha de todas as demais preferências.

Mas e aí? A vida política é multidimensional, então os pressupostos de Duncan Black fazem com que a teoria perca operacionalidade. Dito isso, a realidade política não é o caos. Como há tanta estabilidade se tudo indica que o resultado seria o caos? Regras! Ou melhor, instituições. O que as instituições fazem é “chapar” o espaço do conflito, tornando-o unidimensional ou no mínimo tornando as preferências mais homogêneas. As instituições forjam um espaço unidimensional – nos espaços decisórios, teremos apenas pessoas com preferências próximas e, portanto, barganham nos mesmos termos.

Neo-institucionalismo (Diermeier and Krehbiel 2003)

  1. O indivíduo, decisor, tem a racionalidade como atributo principal
  2. As regras, constraints, são limitadores

A equação fundamental do meu fenômeno de interesse é:

\[ \text{Fenomeno político} = \text{Preferência} + \text{Regra} \]

Precisamos identificar quem são os meus decisores e definir as suas distribuições de preferências. Nada mais importa na análise do indivíduo com exceção disso. O segundo passo é identificar quais são os constrangimentos dos indivíduos na busca pelas suas preferências – tendo essas duas coisas, serei capaz de construir meu argumento sobre o fenômeno político de interesse. Daí eu derivo algum tipo de argumento, hipóteses, e o teste empírico.

Isso é uma maneira de modelar a realidade. Precisamos, então, assumir algumas coisas. Em primeiro lugar, assumimos que as regras são exógenas ao indivíduo e fixas – i.e., do ponto de vista analítico, assumimos que as regras são dadas, embora, é claro, em algum dado momento elas sejam criadas pelos próprios indivíduos. Depois, assumimos que as preferências individuais são dadas, embora variem de indivíduo para indivíduo.

Como o Neo-institucionalismo se diferencia da concepção de core? O que a teoria do core faz é mostrar como, num espaço político multidimensional, as instituições forjam um espaço político unidimensional no qual há soluções possíveis (onde o core não é vazio). Nesse contexto, os indivíduos vão barganhar as soluções de equilíbrio. Exatamente onde a solução vai estar dentro do core é uma questão de barganha, isto sendo dizer sob quais condições você aceita tal ou tal solução. A barganha reduz o core até chegar a uma solução.

Uma aplicação: quando chega no Legislativo, o espaço do conflito é absolutamente multidimensional. Isso é caos, lógico. As instituições criam fóruns de decisão unidimensionais, para discutir assuntos únicos – no caso do legislativo norte-americano1, as comissões. É isso que explica o surgimento de comissões pela teoria do core.

Quando eu forjo a unidimensionalidade, eu crio um ambiente de pessoas extremamente comprometidas com esse único tema. Mas isso afasta as decisões da comissão do parlamentar mediano! Observe, no entanto: se isso vai passar pelo plenário, como eu posso esperar que haja aquiescência, se os acordos que vêm da comissão são distantes do parlamentar mediano? É por isso que a ideia de core não funciona – não é essa a metodologia adequada para entender a dinâmica política. Não podemos usar uma ideia cooperativa, mas sim uma não-cooperativa (Diermeier and Krehbiel 2003).

O jogo não-cooperativo mais famoso é o dilema do prisioneiro. Nesse caso, o jogo é ganho pela estratégia dominante: independente do que os outros façam, eu tomo sempre a mesma ação. Metodologicamente, preferimos não usar a ideia de barganha como a forma de analisar um fenômeno político.

Equilíbrio de Nash: descreve uma situação em que nenhum jogador tem incentivo para mudar sua estratégia unilateralmente, dado o que os outros jogadores estão fazendo. Ou seja: eu defino como melhor resposta dado o que o outro está fazendo. Ninguém tem incentivo para mudar o seu comportamento – portanto, o dilema do prisioneiro é um caso particular do equilíbrio de Nash.

É importante não confundir equilíbrio com soluções ótimas. A definição de equilíbrio de Nash é que cada um escolhe o melhor para si dado o que o outro está fazendo. Esse equilíbrio, no entanto, não significa que eu estou fazendo o que poderia ser ótimo no conjunto.

Os constrangimentos definem o que eu e os outros podem fazer, e isso faz parte do jogo. Eu adoto um comportamento, os demais observam esse comportamento, e as pessoas fazem o mesmo. Nesse caso, há equilíbrio, porque ninguém tem incentivo para mudar. Isso é diferente do core. O que Diermeier and Krehbiel (2003) defende é que essa é a melhor estratégia para analisar o fenômeno político: as regras são fixas, os atores tomam as melhores escolhas dado o que os demais estão fazendo, modelamos a interação, encontramos o equilíbrio e testamos hipóteses.


  1. Afinal, isso tudo foi pensando em vista da política dos Estados Unidos.↩︎